terça-feira, 29 de setembro de 2009

Militar brasileiro em Honduras faz reflexão da ILEGALIDADE DO GOLPE



Essa foto mostra como Zelaya é "golpista". Cedula do referendo que aconteceria no dia do GOLPE em HONDURAS

Vejam a opiniao de militar brasileiro que está em Honduras. É a argumentacao mais sofisticada dos defensores do golpe. É importante conhecer os argumentos:


AS APARÊNCIAS OFUSCANDO A VERDADE
TEN. CEL PIMENTEL DO NOSSO EXÉRCITO
CURSANDO A ESCOLA DE ESTADO-MAIOR EM HONDURAS

1. INTRODUÇÃO
A imagem de militares invadindo a casa de um
presidente legitimamente eleito, sua detenção e imediata expulsão do país
reveste-se de todos os ingredientes de algo que, hoje em dia, causa forte
repugnância na comunidade internacional. Difícil de explicar, quase
impossível de justificar.
O quadro de um golpe de Estado patrocinado por
militares está tão bem pintado, e reflete tão claramente, que se torna
desnecessário, para muitos, fazer um esforço em ver a cena de outro ponto
de vista, o que ofusca a verdade. Em nome dela, e por acreditar que
realmente nem sempre os fatos falam por si mesmos, vou me atrever a mostrar
esta mesma imagem desde outro ângulo.
Definitivamente, o que aconteceu em Honduras (e segue
acontecendo) não guarda relação com o que se noticia na imprensa
internacional. Se realmente conceitos tais como autodeterminação dos povos
e soberania têm algum significado - e estão acima do pragmatismo que rege a
relação entre os Estados - talvez valesse a pena o esforço em enxergar a
cena descrita no primeiro parágrafo sob a ótica dos demais poderes do
Estado de Honduras, de sua Constituição e, principalmente, da grande
maioria do seu povo.
2. O GIRO À ESQUERDA DE ZELAYA
Eleito pelo tradicional Partido Liberal de Honduras,
Manuel Zelaya assumiu a presidência em janeiro de 2006. O primeiro ano e
meio de governo foi marcado por algumas medidas louváveis na esfera social
e pela aproximação do mandatário com as classes menos favorecidas. Mesmo
nesse período, já se falava da grande desorganização administrativa e do
altíssimo grau de corrupção do seu governo, o que redundou em uma completa
desestruturação das contas públicas.
A crise mundial de alimentos e o elevado preço
alcançado pelo barril de petróleo colocaram o governo de Zelaya à beira de
um colapso. Sua tábua de salvação não tardou a surgir. Para um país que tem
80% de sua matriz energética baseada no petróleo, a generosa oferta que
Chávez lhe fazia, por meio da PETROCARIBE, era mesmo tentadora: petróleo
garantido, pagamento de 50% no ato da compra e os outros 50% num prazo de
20 anos.
Da PETROCARIBE até a adesão à ALBA (Aliança
Bolivariana para os Povos da América) o caminho foi curto. Em 25 de agosto
de 2008, pode-se dizer que começou uma segunda fase do governo Zelaya. Após
forte resistência do Congresso Nacional, resistência essa vencida pela
compra de consciências com petrodólares venezuelanos, Honduras tornou-se o
mais novo membro do organismo de expansão do chamado “Socialismo do Século
XXI”.
A partir de então, Chávez apresentou a sua conta e
ocorreu o que a imprensa denominou de “giro à esquerda”. Rompendo com o
programa partidário que o elegeu, e para surpresa de muitos, Zelaya
proclamou-se de esquerda. Adotou um discurso ofensivo contra o
“imperialismo usurpador norte-americano”, trazendo pânico aos mais de
800.000 mil hondurenhos que vivem nos Estados Unidos e às suas famílias,
que dependem das remessas para sobreviverem. Atacou sistematicamente o que
chama de grupos de poder, numa referência às famílias que historicamente
dominaram a política de Honduras, sem se importar com o fato de ele mesmo
ser aparentado de uma delas.
3. OS PRIMEIROS PASSOS CONTRA UMA CONSTITUIÇÃO BLINDADA
No início de 2009, Zelaya lançou a idéia de
um plebiscito, a fim de promover reformas na Constituição e perpetuar-se no
poder, seguindo a mesma estratégia vitoriosa no Equador e na Bolívia,
constante da cartilha de Chávez. Esse plebiscito passou a ser conhecido
como “quarta urna”, numa referência às três outras já existentes nas
eleições ordinárias, onde o povo vota em prefeitos, deputados e no
presidente da República.
Para atingir seus objetivos, Zelaya implementou ações
importantes. Em janeiro, visando conquistar definitivamente a classe
trabalhadora, numa medida claramente populista, que ignorou o delicado
estado das finanças do país, majorou o salário mínimo em 60%.
Em fevereiro, efetuou mudanças em seu Gabinete. A mais
importante delas consistiu na nomeação do Chanceler Edmundo Orellana
Mercado, respeitado jurista e amigo de seu círculo mais íntimo, para a
pasta da Defesa e sua substituição na chancelaria pela Sra. Patricia Rodas
Baca, conhecida por suas posições de extrema esquerda e admiradora
declarada de Chávez.
No âmbito das Forças Armadas, tomou uma medida
inusitada ao ordenar a substituição do Comandante do Exército, General José
Rosa Doblado Padilla, a pretexto de nomeá-lo embaixador em Israel. Sem
margem a dúvidas, o General Doblado era a liderança militar de maior
prestígio, pessoal e profissional, junto à tropa e junto à oficialidade,
conhecido por sua retidão de caráter e apego às instituições. Certamente um
obstáculo para as pretensões continuistas do presidente.. Ainda hoje, o
general aguarda em casa as providências para seu credenciamento junto ao
governo israelense.
Logo Zelaya percebeu que a cartilha de Chávez não
trazia soluções muito claras para um presidente desgastado, já nos seus
últimos meses de mandato, imerso em denúncias de corrupção e de associação
com o tráfico de drogas e com a influência diminuída pela definição dos
dois principais candidatos às eleições presidenciais de novembro, Pepe Lobo
e Elvin Santos, respectivamente candidatos pelo Partido Nacional e Liberal.
Também a cartilha chavista não apontava caminho para
um impasse constitucional, característico das leis de Honduras, que ainda
não havia se apresentado nas experiências anteriores. A Carta Magna de
Honduras pode ser alterada em 97% dos seus 375 artigos pelo próprio
Congresso Nacional.
Artigo 373: “A reforma da Constituição poderá
decretar-se pelo Congresso Nacional, em sessão ordinária, com dois terços
dos votos da totalidade dos seus membros”.
Existem, porém, algumas poucas cláusulas pétreas que
não podem ser objetos nem mesmo de discussão, constituindo delito de
traição à pátria o simples fato de propor sua revisão. A reeleição é uma
delas. A Constituição de Honduras chega a ser redundante ao abordar o tema.
Senão vejamos:
Artigo 374: “Não poderão ser reformados, em nenhum
caso, o artigo anterior, os artigos constitucionais que se referem à
forma de governo, território nacional, período
presidencial, proibição para ser novamente presidente da república...”
(grifo do autor)
Artigo 4: ...A alternabilidade no exercício da
Presidência da República é obrigatória.
A infração desta norma constitui delito de traição à
Pátria. (grifo do autor)
Artigo 239: “O cidadão que tenha desempenhado a
titularidade do Poder Executivo não poderá ser Presidente ou Designado.
Aquele que ofender esta disposição ou propuser sua reforma, bem como
aqueles que a apóiem direta ou indiretamente, terão cessado de
imediato o desempenho de seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por
dez anos para o exercício de toda função pública”. (grifo do autor)
Aceito que tais artigos possam parecer pouco usuais.
Mas assim está definido por decisão soberana do povo hondurenho.
Juridicamente, não há espaço para a convocação de uma Assembléia
Constituinte. No caso de Honduras, a Constituição encontra-se blindada
contra pretensões de continuismo, justamente como reação aos inumeráveis
golpes de Estado e ditaduras pelas quais atravessou o país.
4. O DESENROLAR DA CRISE INSTITUCIONAL
Apesar dos cadeados constitucionais já assinalados, no
dia 23 de março, em conselho de ministros, o presidente Zelaya emitiu o
decreto Executivo PCM-005-2009, mediante o qual convocava uma consulta
popular, cujo fim último era o estabelecimento de uma Assembléia Nacional
Constituinte para formular uma nova Carta Magna, o que permitiria a
eliminação de cláusulas pétreas.
Houve toda classe de reação contrária: o Colégio de
Advogados de Honduras, Poder Judiciário, Ministério Público, Procuradoria
Geral da República, Comissionado Nacional dos Direitos Humanos, Tribunal
Superior Eleitoral, Comissão Nacional de Anticorrupção, Partidos Políticos,
Igreja Católica, Igrejas evangélicas, Associação Nacional de Indústrias e
Sociedade Civil.
A partir deste ponto, as opiniões se polarizaram e a
crise institucional teve seus contornos delineados. De um lado, o
presidente Zelaya e seus seguidores, mormente autoridades do governo,
funcionários em cargos de confiança e organizações sindicais e campesinas
que fomenta, custeia e orquestra em todo país, inclusive depondo suas
estruturas dirigentes, quando o logra, ou criando entidades paralelas,
quando nas existentes se mantêm diretorias que lhe são hostis.
De outra parte, começou a aglutinar-se uma ainda
desestruturada oposição, abrangendo os dois candidatos às eleições
presidenciais de novembro, personalidades civis, como o Arcebispo de
Tegucigalpa, vários dos mais proeminentes líderes empresariais, magistrados
de várias cortes, a promotoria pública, até advogados que teriam sido
consultados pelos governistas, o ex-presidente Ricardo Maduro (a quem
Zelaya sucedeu), órgãos influentes da imprensa etc.
Em 8 de maio, o Ministério Público iniciou uma ação
judicial ante o Tribunal de Letras do Contencioso Administrativo contra o
Decreto Executivo de 23 de março. Em 20 de maio, a própria Procuradoria do
Estado aderiu à dita iniciativa e posicionou-se contra as intenções de
Zelaya.
Antes de o Tribunal revelar seu veredito, mais
precisamente no dia 14 de maio, Zelaya preparou uma grande festa na Casa
Presidencial para o lançamento oficial da "Frente Patriótica de Defesa da
Consulta Popular e da Quarta Urna", “dentro do processo de convocação de
uma Assembléia Nacional Constituinte que elaborará a nova Constituição da
República”. Na oportunidade, definiu-se a data da consulta, 28 de junho.
Para a cerimônia de anúncio foram convocados
funcionários do governo até o terceiro nível, inclusive órgãos de
administração indireta e autarquias. O comparecimento não foi apenas
mandatório: cada pessoa convocada, obrigatoriamente, teria de trazer
consigo outras três quaisquer. Mas nem tudo foi festa. Segundo observadores
e comentaristas políticos, de certo modo foi uma demonstração de fraqueza
do presidente Zelaya, posto que não conseguiu ali reunir qualquer liderança
popular notoriamente importante.
Revelando considerável inabilidade no trato do assunto,
o governo teve de reconhecer que mandara vir a Honduras o perito espanhol
em matéria de direito constitucional Rubén Dalmau, que assessorou a Evo
Morales e a Rafael Correa na elaboração das novas Constituições boliviana e
equatoriana. Sua missão aqui, aconselhada por Chávez a Zelaya, seria a de
preparar o projeto de uma nova Carta Magna que o Presidente apresentaria à
Constituinte, “para facilitar e focalizar suas deliberações e expeditar o
processo”.
O plano de Zelaya também previa o enfraquecimento das
demais instituições do Estado. No referente ao Congresso, o governo buscou
neutralizá-lo, enquanto não lograva sua completa reforma – “quem não votar
pela quarta urna não será reeleito”, afirmava e reafirmava o presidente e
seus porta-vozes.
O repasse de verbas ao Legislativo foi reduzido ao
mínimo para pagar os salários de seus funcionários, dificultando o seu
funcionamento normal. Mais que isto, a proposta de orçamento de 2009, que
deveria ser enviada ao Congresso em setembro de 2008, nunca foi encaminhada
para aprovação. Com essa manobra, Zelaya evitava a verificação pelos
deputados do mau estado das contas públicas, com a receita em queda, como
também impedia que os congressistas opinassem sobre a maneira com que o
governo financiava suas atividades promocionais da “quarta urna”, graças a
um dispositivo que lhe permitia aplicar o orçamento do ano anterior,
enquanto o Legislativo não votasse o do ano em curso.
Apesar da crise que atingia Honduras impiedosamente,
o governo gastava tudo que podia em vasta campanha midiática em prol da
“quarta urna” e em atividades afins por todo o país (a comissão que
investiga os gastos do governo deposto contabilizou um dado parcial de 40
milhões de dólares). Por outro lado, não foram repassados recursos de
contrapartida para manter atividades de cooperação bilateral e
multilateral, como afirmou o Representante Permanente da União Européia,
publicando extensa matéria paga em nome do Grupo dos 16 (constituído por
todos os principais países doadores a Honduras). Não foram repassados
recursos para o Tribunal Superior Eleitoral começar a organizar as eleições
de novembro, nem para o Registro Nacional das Pessoas (RNP), órgão a quem
compete proceder ao registro dos eleitores. Muitos outros compromissos
deixaram de ser honrados: cerca de um quinto dos municípios não receberam o
repasse obrigatório de recursos. Ficou claro que os municípios não
contemplados eram justamente aqueles cujos prefeitos não haviam se
incorporado ao projeto de Zelaya.
5. A REAÇÃO DOS DEMAIS PODERES DO ESTADO
No dia 27 de maio, o Tribunal de Letras do
Contencioso Administrativo suspendeu todos os efeitos do Decreto Executivo
PCM-005-2009, por haver sido considerado inconstitucional. Buscando manter
a legalidade no país, o Tribunal proibiu qualquer tipo de publicidade a
respeito do assunto e, antecipadamente, emitiu um parecer considerando
ilegal qualquer outra iniciativa do governo dedicada à implantação de uma
consulta popular que tenha por finalidade instalar uma Assembléia
Constituinte.
Apesar da decisão judicial, Zelaya seguia obstinado
e, em claro desafio ao Tribunal, ordenou que a publicidade relacionada à
“quarta urna” não fosse interrompida nos meios oficiais de comunicação.
Pressionado de todos os lados, o governo admitiu a ilegalidade do Decreto
Executivo PCM-005-2009. Resolveu, então, apresentar um novo decreto (que
não foi publicado até as vésperas da consulta, para evitar novo
posicionamento por parte do Judiciário) com os mesmos vícios
constitucionais, o PCM-019-2009. Basicamente, o novo decreto apresentado
trocou a palavra “consulta” por “pesquisa” popular.
A finalidade da nova disposição era igual ao da
anulada, quer dizer, fazer uma consulta nacional para responder à seguinte
questão: “Está você de acordo que nas eleições gerais de novembro de 2009
se instale uma quarta urna para decidir sobre a convocação de uma
Assembléia Nacional Constituinte que emita uma Nova Constituição da
República? Sim ou Não”, segundo o artigo 1°.
O artigo 2° instrui às distintas instituições do
Estado, centralizadas e descentralizadas, para que executem ativamente
todas as tarefas que lhes sejam encomendadas para a realização da pesquisa.
As Forças Armadas que, até então, mantinham-se
afastadas do conflito político, viram-se atraídas para o campo de disputa,
uma vez que receberam ordem explicita, também por meio de um decreto
presidencial, para apoiar logisticamente todas as atividades destinadas à
consulta popular.
A Instituição Armada passou a ser alvo de
forte pressão por parte de diferentes setores, que exigiam que a mesma não
aceitasse participar de uma atividade claramente inconstitucional. As
pressões não eram sem razão, uma vez que, por lei, as Forças Armadas são
garantes da Constituição.
Artigo 272: “As Forças Armadas de Honduras
são uma instituição nacional, de caráter permanente, essencialmente
profissional, apolítica, obediente e não -deliberante” .
“Se constituem para defender a integridade
territorial e a soberania da República, manter a paz, a ordem pública, o
império da Constituição, os princípios de livre sufrágio e a alternância
no exercício da presidência da República”. (grifo do autor)
Além disso, o mutismo da Instituição a respeito
da ordem recebida, associada às conhecidas boas relações que a Junta de
Comandantes mantinha com o presidente, gerou um clima de desconfiança a
respeito do posicionamento das Forças Armadas em relação à ordem recebida.
O Ministro da Presidência, Enrique Flores Lanza,
negava-se a dizer quando seria publicado no Diário Oficial o novo decreto
(PCM-019-2009) , para que o mesmo se convertesse em lei de cumprimento
obrigatório. Por outro lado, assegurava que, enquanto isso não ocorresse,
as instituições do Poder Executivo deveriam obedecer-lhe, “em razão de se
estar em um regime presidencialista”.
Na noite de 24 de junho, fortemente pressionado,
o Chefe do Estado-Maior Conjunto, General de Divisão Romeo Orlando Vásquez
Velásquez, comunicou ao presidente da República que, por impedimento
judicial, as Forças Armadas não poderiam apoiar logisticamente a pesquisa
popular.
Às 21h55min, Zelaya, em cadeia de rádio e
televisão, anunciou a destituição do Chefe do Estado-Maior das Forças
Armadas e a aceitação da renúncia do Ministro da Defesa. O Ministro
Orellana, apesar de dileto amigo de Zelaya, já havia se convencido da
ilegalidade da consulta. Em solidariedade ao General Vásquez, os três
comandantes das Forças Armadas - Exército, Marinha e Aeronáutica –
renunciaram aos seus comandos.
No mesmo pronunciamento, o presidente convocou
sua base de apoio, conformada por movimentos sociais, a uma reunião na Casa
Presidencial, às 12h00 de 25 de junho, para, de acordo com suas palavras,
“definir os novos rumos democráticos a serem seguidos pelo país”.
O conflito entre os poderes do Estado se
extremou. Baseado no artigo 323 da Constituição, a Corte Suprema de Justiça
reintegrou o General Vasquez na manhã de 25 de junho.
ARTIGO 323.- “os funcionários são depositários
da autoridade, responsáveis legalmente por sua conduta oficial, sujeitos a
lei e jamais superiores a ela. Nenhum funcionário ou empregado, civil o
militar, está obrigado a cumprir ordens ilegais ou que impliquem a
execução de delito”. (grifo do autor)
O dia 25 de junho de 2009 foi um dia intenso. O
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também resolveu declarar ilegal a
pesquisa de opinião político-eleitoral convocada pelo Poder Executivo para
o domingo 28 de junho, por violar o que estabelece a Constituição da
República.
Nesse mesmo dia, magistrados do TSE e
integrantes do Ministério Público apreenderam o material destinado à
consulta, que havia sido trazido da Venezuela, e encontrava-se armazenado
em um galpão dentro da Base Aérea Hernan Costa Mejia.. Na oportunidade, o
Coronel Castillo Brown, Chefe do Estado-Maior Aéreo, foi nomeado fiel
depositário do material apreendido, o qual permaneceu nas instalações da
base.
Por volta das 15 horas, o presidente da
República, liderando uma turba de seus seguidores, desconhecendo
completamente as resoluções da Justiça e abusando de sua autoridade,
assaltou as instalações da Força Aérea e recuperou o material destinado à
consulta popular. Na ocasião, expressou publicamente que não iria respeitar
decisões do Poder Judiciário, que o Poder Legislativo não representava o
povo, mas sim ele, que havia sido eleito presidente de Honduras.
Finalmente, às 24h00, o novo Decreto Executivo
(PCM-019-2009) foi publicado, sendo divulgado ao público somente no dia 26,
por meio de cadeia de rádio e televisão.
Nesse mesmo dia, o Fiscal Geral da República
apresentou ante a Corte Suprema de Justiça um requerimento fiscal e
solicitou ordem de captura contra Manuel Zelaya Rosales, sob as acusações
de conspirar contra a forma de governo, traição à pátria, abuso de
autoridade e usurpação de função em prejuízo da administração pública e ao
Estado de Honduras.
No dia 27 de junho, às 22:00 horas, a Corte
Suprema de Justiça ordenou às Forças Armadas a captura do presidente da
República pelos delitos já mencionados e a paralisação da consulta, o que
foi realizado na manhã do dia 28.
Às 12 horas do dia 28, por 123 votos contra 5,
o Congresso Nacional referendou a decisão da Corte Suprema e empossou
Micheletti como o novo presidente constitucional de Honduras.
Cabe ressaltar que a posse de Micheletti,
então presidente do Congresso Nacional, deu-se pela ausência do
vice-presidente, que havia renunciado meses antes para candidatar-se às
eleições presidenciais de novembro.
6. ESCLARECIMENTOS
Acredito que a exposição realizada ainda
possa não convencer a muitos que vêem a ação como um típico golpe de
Estado. É certo que alguns pontos seguem sem uma justificativa convincente.
A decisão de expulsar o ex-presidente do país, enviando-o para Costa Rica,
é um deles.
A ordem emitida era clara: capturar Manuel
Zelaya e colocá-lo à disposição da Justiça para responder pelos delitos que
lhe foram imputados. É preciso, no entanto, considerar as conseqüências de
manter preso no país um ex-presidente disposto a tudo - como já havia dado
mostras dias antes, ao invadir uma instalação militar liderando uma turba -
e respaldado por Chávez e seus petrodólares. A questão não pode ser
corretamente avaliada se nos distanciarmos da realidade do que é Honduras,
um país de instituições ainda frágeis, onde seus agentes são suscetíveis a
todo tipo de pressão e coação. Reconheço, no entanto, que, aos olhos de
países mais avançados, com democracias e instituições consolidadas, essas
argumentações não são suficientes para esgotar o assunto.
Talvez, mas só talvez, os hondurenhos
tivessem muito mais a lamentar caso o ex-presidente permanecesse
encarcerado em Honduras. A decisão foi tomada no fragor do combate, de
comum acordo entre a Junta de Comandantes e o presidente da Corte Suprema.
É possível que não tenha sido a mais acertada. Podemos apenas especular. De
fato, jamais saberemos.
Como um segundo ponto, ainda se pode
argumentar que o presidente não foi julgado por seus crimes e que tampouco
foi seguido um desejado processo de “impeachment”. Para tentar explicar
esse aspecto, apresento o que consta da Constituição de Honduras, conforme
o já citado artigo 239, que me permito repetir para maior clareza.
Artigo 239: “O cidadão que tenha
desempenhado a titularidade do Poder Executivo não poderá ser Presidente ou
Designado. Aquele que ofender esta disposição ou propuser sua reforma,
bem como aqueles que a apóiem direta ou indiretamente, terão cessado de
imediato o desempenho de seus respectivos cargos e ficarão inabilitados
por dez anos para o exercício de toda função pública”. (grifo do autor)
Observe-se que o artigo fala em intento e
também diz “de imediato” – ou, “no mesmo instante”, ou “sem necessidade de
abertura de processo”, ou de “impeachment”. De acordo com a interpretação
dos juristas hondurenhos, no momento em que Zelaya foi preso e expulso do
país ele já não exercia a presidência da República. Encontrava-se em
flagrante delito desde que se tomou conhecimento do decreto no dia 26 de
junho e por isso “teve cessado de imediato o desempenho de seu respectivo
cargo”. Essa interpretação não foi inédita. Semelhante critério foi
aplicado contra um presidente do Congresso Nacional deposto na década de
80.
Como um terceiro ponto obscuro, houve uma
suposta carta de renúncia que teria sido firmada por Zelaya e apresentada
por um deputado ao Congresso Nacional, momentos antes da posse de
Micheletti. Para explicá-la, nada tenho a dizer. Poucos a viram e creio que
ninguém a analisou. Muito provavelmente seja falsa. Em situações como essa,
onde predominam a incerteza e a insegurança, algumas iniciativas
individuais são tomadas de forma atabalhoada e em nada contribuem para que
a verdade aflore.
7. REFLEXÕES
Resolvi escrever essas linhas diante da
minha perplexidade pela unânime e contundente caracterização do que ocorreu
em Honduras, por parte da comunidade internacional, como um golpe de
Estado. Para alguns, golpe militar de Estado. Ficou muito evidenciada para
mim a dicotomia entre as percepções interna e externa de um mesmo processo.
Para a totalidade das instituições do Estado de Honduras e, sem nenhuma
imprecisão, para a grande maioria da população, não foi golpe, muito menos
militar.
Aceito, sem relutância, que possa haver
dúvida sobre a legalidade do que ocorreu em Honduras, sobretudo para os que
não acompanharam o processo e não estão muito afeitos à legislação interna.
Por isso, entendo a veemência com que a comunidade internacional reagiu à
cena descrita no parágrafo introdutório. Soluções à ponta de baioneta já
não podem mesmo ser toleradas. O que não entendo é o absoluto desprezo da
comunidade internacional pelos argumentos que Honduras vem tentando
desesperadamente apresentar para justificar suas ações em vistas a salvar
sua própria democracia.
Acho que uma grande desordem se
estabeleceu em torno dos aspectos que conformam o conceito de democracia.
Confunde-se democracia com eleição popular, olvidando-se que o sufrágio não
é mais que apenas um dos seus componentes. Fundamental, mas não exclusivo.
Diante dessa aceitação, indisfarçáveis ditadores, eleitos pelo povo,
sentem-se inatingíveis, acima do bem e do mal, inclusive com licença para
delinqüir.
No Brasil, é mais que evidente a
dificuldade do Congresso Nacional em caracterizar a Venezuela como um país
não-democrático e impedir sua incorporação ao MERCOSUL. A argumentação não
foge ao roteiro: o ex-golpista está regenerado, foi eleito pelo povo.
Valendo-se do mesmo raciocínio, o governo não vê grandes problemas em
estreitar relações com o Irã, afinal, conforme asseverou Lula, Ahmadinejad
foi eleito pelo povo em “eleições limpas”.
A confusão não para por aí.
Recentemente, a Organização dos Estados Americanos (OEA) não viu a Carta
Democrática como um obstáculo à reabilitação de Cuba, mas valeu-se deste
mesmo documento para suspender Honduras dos seus quadros. Quando
governadores da oposição de Chávez encontraram- se com o Secretario Geral
para denunciar os abusos do presidente venezuelano contra a democracia,
receberam como resposta que pouco se poderia fazer, pois a OEA era
respeitosa da soberania dos Estados e atenta ao princípio da
não-intervenção.
Confusões à parte, as relações
internacionais seguem sendo governadas pelo pragmatismo e, no fim das
contas, o que se pretende mesmo é preservar o “status quo”. Assim, por que
importaria a soberania ou a autodeterminação de Honduras? Para que ouvir a
argumentação da sua gente? Afinal, Zelaya não foi eleito pelo povo?



Enviado Por Alipio Freire

Um comentário:

  1. O tenente-coronel Pimentel está fazendo o curso de estado maior para oficiais superiores em Honduras, fato que por si só já levanta uma série de suspeitas.
    Quais as razões que teriam levado o ministério da defesa a enviar um oficial superior para fazer um curso de estado maior num país tão pequeno e quadro de oficiais superiores muito reduzido, sem expoentes de conhecimentos militares que despertem curiosidade e interesse noutros países latino-americanos? Depois, sabendo que o presidente da república foi deposto por golpe de estado, materializado com a intervenção do exército de Honduras, situação duramente criticada por seu comandante em chefe das forças armadas e presidente da república do Brasil, o tenente-coronel Pimentel cometeu um ato de indisciplina incompatível com sua posição de oficial superior que pretende ingressar no estado maior do exército e deverá ser imediatamente chamado ao Brasil, não terminando esse tal curso que a imprensa menciona e é muito duvidoso! Está cheirando muito mal seu depoimento em blogue, denotando de imediato falta de conhecimento do regulamento de disciplina militar!

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